quinta-feira, 1 de julho de 2010

Capitulo I - Infância

Minha vida começa a partir de meus dias como um simples feto.Minha mãe me contava que adorava fazer círculos em sua barriga,acariciando ela,e eu retribuía seus toques com chutes,um sinal de resposta ao carinho.

Ela sempre fora uma dona de casa,sua mãe a criará assim,dizia à mim que nunca serviu para trabalhar fora de casa,e assim permaneceu nessa função.Seu jeito era bem pelicular,movimentava-se como uma libélula, graciosa,gentil e bondosa.Essa era minha mãe.Me lembro nitidamente de seu rosto pálido com as maças rosadas no rosto,sempre havia um sorriso nos pequenos lábios,que iam de orelha à orelha,alguns eram misteriosos,nunca rudez,podiam sim ficar descontentes com algo,mas,nunca rudez.

Ela me dará a cor de seus olhos,um castanho profundo,eu adorava aqueles olhos e o formato deles.Eram tão vivos.

Seus cabelos dourados com pontas cacheadas lhe cabiam exatamente o nome que lhe fora dado,Alice,como o de uma boneca de porcelana.

Infelizmente,meus cabelos não eram dourados,eram negros,sem as pontas cacheadas. Algo que eu herdará de meu pai.

Meu pai,um homem que trabalhava na fábrica da cidade que ficava alguns minutos da minha casa,era alto e tinha um rosto alongado,músculos mostravam seu trabalho braçal.Era rude e mal-educado,o oposto de minha mãe.Se chamava John.
Então,assim,nós éramos os Martin.

Eu nunca tive uma boneca especial ou um urso de pelúcia o qual eu daria o nome de Teddy,nem cachorros circulando pela casa,irmãos nunca vieram ao pensamento de meus pais,mas a felicidade sempre esteve ali,aconchegada em mim,tanto em dias quentes quanto em frios.

A casinha de bonecas em meu quarto e as milhões de Barbie que minha mãe me dará,todas em um estante organizadas,outros brinquedos enfeitavam meu quarto rosa bebe com adesivos de borboletas e flores nas paredes, tinha um cheiro de bala de tutti-fruti.

Nos natais meus avós maternos sempre vinham para a ceia e traziam vários presentes para mim,mamãe me dará no meu natal de quatro anos,uma gargantilha com uma sapatilha e meu nome escrito na mesma,dizendo que aquele era seu presente especial para mim.

Meus aniversários sempre cheios de meus amigos do jardim de infância e suas mães que conversavam e perguntavam a receita das diversas comidas que minha mãe fará para aquele dia.Eu estava sempre com meu melhor amigo na minha cola.Éramos inseparáveis.

Os dias calmos e felizes acabaram quando eu completará sete anos de idade, na primavera daquele ano,tudo se modificou.Algumas discussões se tornaram freqüentes,e gritos ecoavam pela casa durante a noite.
E na manhã seguinte,as marcas roxas e os olhos manchados de lagrimas apareceram na pele pálida de minha mãe.

- Sophie,se arrume,vai perder o ônibus da escola – Ela disse com a voz por um fio.
- Estou indo,mamãe – Eu a encarei enquanto ela me entregava a lanche.
Ela então acariciou meu rosto,e me deu um beijo na testa.Eu segui para a frente de casa,onde o ônibus me esperava.

O caminho para a escola era sempre o mesmo,meu melhor amigo,sentava ao meu lado,naquela manhã eu não estava com nenhuma vontade de abrir a boca, o que não passou despercebido por Peter.

- Algo aconteceu,Sophie ? – Perguntou.

Peter Mcharring,morava algumas quadras da minha casa,sua mãe era a dona da lanchonete local,e seu pai trabalha com o meu na fábrica.A mãe de Peter sempre fora a melhor amiga de minha mãe.Quando algo estava mal,minha mãe corria para o colo dela.E era isso que aconteceria esta manhã.

- Não,Peter,está tudo bem – Disse olhando-o rapidamente.
- Você parece descontente com algo.
- Impressão sua,só não estou com muita vontade de ir para a escola – Eu disse.
- Você não me engana,Sophie,está acontecendo algo e só que você não quer me contar – Ele disse com as sobrancelhas levantadas,era uma característica sua,e ela só aparecia quando ele estava desconfiado.
- Se você sabe disso,porque insiste? – Perguntei.
- Porque me preocupo com você,só por isso – Respondeu.
Soltei um suspiro e apenas disse.
- Acho que algo de errado está acontecendo em casa, e eu não sei o que é.E, por favor,isso é o máximo que direi a você,portanto,não insista.
- Está bem,fico feliz que confia em mim.Quero que você me chame se algo acontecer está bem ? – Ele disse pegando em meus ombros e olhando nos meus olhos.
- Prometo que farei isso.

O ônibus abrirá suas portas em frente à escola, e todos saíram desesperados para suas respectivas salas,eu e Peter,fôramos os últimos.
O dia passará tão devagar que em um horário fiz questão de ficar no banheiro feminino encarando o nada.Não houveram questionamentos sobre o que pudera ter havido no quarto ao lado,e os gritos.
Sei que mamãe contaria a melhor amiga dela o que havia acontecido e tudo ficaria bem quando eu voltasse para casa.
Pelo menos,era o que eu esperava.

Minha entrada em casa fora normal,por algum motivo as fotos que estavam em cima da lareira me fizeram parar e ficar observando-as,em uma delas,minha mãe me segurava ainda pequena nos braços,o sorriso esplandeceste estava lá,iluminando todo o cômodo.Passei a mão pela moldura,estava meio empoeirada.Peguei-a para mim,não sei porque razão eu fizera aquilo,mas,aquela foto trazia conforto.

Tudo aquilo fora se repetido,diversas e diversas vezes, os gritos incessantes tanto de desespero quanto de raiva,palavras jogadas umas as outras,as noites durante isso tudo foram conturbadas e me amedrontavam de algum modo,me deixavam confusa,mas,lagrimas que eu esperei que corressem não correram,não lamentei.Afinal,o que havia pra ser lamentado? Somente os dias felizes,que se foram,somente isso seria lamentado por mim.O ódio misturou-se rapidamente com aquele medo, tornando-os um só.

Não muito tempo depois, minha mãe adentrará em casa, trazendo compras para o jantar, eu sabia que ela se ocuparia pelo resto da tarde para fazer um jantar especial para ‘tentar’ resolver as coisas, resolvi ir ao meu quarto,já que havia lição de casa para entregar no dia seguinte.
Vagamente lembro que adormeci com os livros escancarados em minha frente,limpei a baba que havia se formado no canto de minha boca,e ajeitei o cabelo que ficará desgrenhado.Segui para a sala,e encontrei meu pai tomando cerveja no sofá com batatinhas a sua frente e assistindo o jogo de futebol que passava na TV,somente disse às habituais palavras : “Boa noite,pai” e me dirigi a cozinha sem esperar por uma resposta,esperei encontrar minha mãe cortando alguns legumes,mas,ela estava em um canto com as mãos levadas aos olhos,a marca em seu braço me fez dar um passo atrás e olhar em direção ao cômodo que eu acabará de sair,o olhar direcionado a um homem,somente à aquele homem.
Cheguei perto dela e tentei tirar suas mãos do rosto,mas,aquilo parecia meio que não adiantar,ela queria-o esconder,esconder seu rosto do mundo, esconder seu rosto dele,esconder seu rosto de mim.Sinceramente não a culpei por isso,se houvesse um alguém que deveria ser culpado por aquilo, este alguém estava sentado,fingindo não se importar com mais nada.Só pronunciei as seguintes palavras em seu ouvido : “Vamos para a casa da tia Beth”.E a levantei com cuidado,sempre com o olhar direcionado a sala,abri a porta da cozinha com cuidado e fomos juntas atravessando o quintal,e caminhando até a rua,corremos até a lanchonete de tia Beth,onde aos fundos ficava a casa deles.
Tia Beth nos viu rapidamente e nos apartou,levando-nos aos fundos.

- Meu deus,Alice! – Exclamou Beth – O que ele fez com você dessa vez?
- Nada,Beth,foi apenas uma briga boba,foi minha culpa,não se preocupe – ela dizia confusa,lançando rápidos olhares para mim.
- Peter,Peter venha aqui! – Gritou tia Beth.
- Sim? – disse meu amigo de olhos confusos.
- Leve Sophie para dentro,dei-lhe um pouco de chocolate quente – Falou por fim.Peter pegou em minha mão e me levou até a cozinha de sua casa.
Ela cheirava a chá de hortelã com mel em um dia quente,já era inverno. E eu nem notará quanto tempo havia estado absorvida com isto,já fazia três anos que aquilo tudo havia começado.
Ele me encarava e andava de um lado para o outro.Eu encarei o nada,novamente.

- Sophie,eu não pedi para que me chamasse ? – ele disse.

Você sabe aquele tipo de momento em que você só estar absorvido com algo e que sua cabeça só gira em torno daquilo? Era justamente como eu estava naquele momento,eu podia ouvir a voz de Peter ecoando em minha cabeça e suas mãos passando em frente aos meus olhos e me sacudindo os ombros,eu estava gritando tentando responder as suas perguntas,mas as palavras fugiam da minha boca,ela abria e fechava,sem emitir som algum.

Eu podia ouvir,estava atenta aos choros que vinham do cômodo que estávamos à pouco.Pude pegar partes da conversa,e algo que minha mãe dissera meio que cortará meu coração,e naquele momento eu pude sentir o que era ter pena de alguém.
A conversa incluía planos para um novo futuro.Um futuro distante no qual incluía sair da cidade e construir novas coisas,mas,não tínhamos nada por onde começar,puxei Peter pelo pulso em direção ao outro cômodo para ouvirmos melhor a conversa.

- Temos o carro que Peter e August consertaram, porque não o usa para ir? Sei que você aprendeu a dirigir, vá para algum lugar com sua filha,mas o que você não pode é continuar a viver assim! – disse tia Beth.
- Eu sei Beth,eu sei! Mas e a Sophie? Não sei se ela vai entender,não sei como explicar tudo isto a ela – Disse mamãe.
- Você não acha que com isto tudo vindo a acontecer há três anos,você não acha que ela iria entender? Sophie é atenciosa,ela a trouxe aqui,você não acha que já é prova suficiente de que ela tem noção do que ocorre? – Disse por fim.
- E as nossas coisas? Como vou fazer para pegar? Ele vai descobrir, já deve estar aos escândalos e quebrando tudo em casa – Disse mamãe olhando fixamente para um canto.
-Amanhã quando ele estiver na fábrica nós vamos pegar suas coisas e ainda amanhã vocês partem da cidade,por hoje as ajeitarei aqui em casa – Disse tia Beth a abraçando vendo que esta voltou a chorar.
- Obrigada Beth,muito obrigada! – Disse mamãe aos soluços.

Fui escorregando ate o chão,Peter sentou-se ao meu lado,e encaramos o nada.
A idéia de sair da cidade já havia passado por minha cabeça diversas vezes, mas,não na situação de ‘fugitiva’.Sair para criar algo que nem todo os habitantes daquela pequena cidade saberiam,morar lá ate ter idade para ir para uma universidade e lá ir construindo tudo aos poucos o que eu desejaria para o futuro.Mas naquele momento,eu realmente queria sair de lá.
Me separar de todos não ia ser fácil,principalmente de Peter,mas era necessário.Ele sabia disso,sentia isso.Nós sentíamos isso.

Terrytown não era exatamente uma cidade totalmente movimentada,era normal,todos conheciam todos,e seus antepassados. Todos eram pacatos e o que geralmente aconteciam em Terrytown,permanecia em Terrytown.
Morávamos um pouco distante do centro da cidade,minha casa não tinha um jardim na frente,mas a grama era meio esverdeada,a casa era branca,normal nada mais,nada menos.Seu interior era decorado com papeis de parede diferentes das outras casas,os da cozinha era um azul com margaridas brancas,o papel de parede salmão da sala,ostentava um clima simples,meu quarto como fora dito antes possuía a cor rosa bebe,os dos meus pais, um verde fraco,quase desbotando,mas dava um ar belo,as janelas eram perfeitas e davam para os lados e fundos da casa.
O cheiro,a casa sempre tinha um cheiro de flores,era agradável e sutil.
E de repente me vi numa situação de que nunca mais eu poderia sentir as sensações que durante dez anos de minha vida eu senti,mas,eu as teria que deixar por uma questão de segurança,e talvez,um dia quem saberia,eu não voltasse?

Fui acomodada no quarto de Peter,eu estava sem sono,ele deitado em um colchão que estava no chão do lado de minha cama também parecia não conseguir.A idéia de nos afastarmos era realmente assustadora,nós saberíamos que a partir do momento que eu partisse a incerteza dominaria nos dois,quanto a um voltar.Eu olhava fixamente para o teto onde o abajur de bichinhos do mar produzia sombras nas paredes,eles giravam ,giravam e giravam,olhei um instante para o lado e vi que ele fazia o mesmo.O silencio predominou até que ele se pronunciou.

- Sophie? – Chamou-me.
- Sim?
- Você sabe que eu sempre vou ser seu melhor amigo,não sabe? – Ele disse. Meu coração começara a bater num ritmo estranho.
- É claro que eu sei,ninguém jamais vai tomar seu lugar! – Eu disse,e era verdade,ninguém seria como ele.
- Prometo que um dia eu vou encontrar você,portanto,me espere.
De repente tudo que havia se acumulado por três anos,passou a transbordar em lágrimas,estendi a mão e ele a segurou.
Apertei os olhos afim que aquilo parasse,mas continuou,ele percebendo tal coisa,se levantou e me olhou nos olhos.

- Hei, o que foi? – Questionou.
- Nada – Limpei as lágrimas.
- Eu amo você,Sophie – Então ele me beijou.

Meu primeiro beijo fora dado pelo meu melhor amigo,não fora algo que me fez infeliz,aquilo,pelo contrario me fez vibrar de alegria.Parecia que nada existia.
Eu queria que nada existisse.
Ele se agasalhou ao meu lado,entrelaçamos as mãos e ficamos lá.
Eu pedi para que o relógio não corresse com as horas e que o sol jamais nascesse.
Pedi que só existisse nos dois.
Eu não queria esquecer daquilo,então lhe pedi uma foto sua.E lhe dei uma minha.
Prometemos dentro daquele quarto com a lamparina de bichinhos do mar rodando pelas paredes que jamais íamos deixar de nos amar,que esquecer também não valia.E daqui alguns anos íamos nos encontrar.

- Você promete? – Ele perguntou.
- Eu prometo.


Não importou o quanto eu pedi para que o sol não nascesse,porque era simplesmente impossível que isso não ocorresse.
A manhã que se sucedeu fora agitada.
Mamãe eu fomos para a nossa casa junto de Peter e tia Beth.Como eu previ, tudo fora quebrado.
Fui para meu quarto com Peter,peguei uma mala empoeirada que estava em baixo da cama e juntei todas as minhas roupas,perfumes,e coisas pessoais.
Tia Beth pegou alguns panos de cama,e botou em sacolas,juntamente com alguns copos,talheres e pratos.
Mamãe sentou-se em sua cama por um longo tempo,acariciando as colchas, olhando por toda a extensão do quarto,eu a observei.
Era impossível para ela largar o lugar que passou quase sua vida inteira,era impossível para mim sair daquilo tudo,deixar tudo para trás.
Nunca é fácil deixar as coisas para trás,e viver como se elas não existissem,pois,era isso o que íamos fazer,um “recomeço”.Tia Beth,arroumou um lugar para ficarmos em uma cidade distante,eu iria estudar na escola local de lá,e provavelmente novas pessoas iriam aparecer ao decorrer,quem saberia ate se mamãe não se apaixona-se novamente? Apesar de não gostar, eu fazia planos para a “nova” vida.Mas,o meu coração não se acostumava com a idéia de ter que deixar Peter.Nossos pais jamais seriam contra o nosso relacionamento,mas,o destino parecia há todo instante querer que nos separar,e isso me entristecia mais ainda.Meus sonhos estavam sendo destruídos de uma forma,digamos,violenta.Quando partimos,mas,uma vez eu troquei o olhar mais puro que eu podia dar com Peter,nós nos despedimos e pegamos a estrada.
Um certo ar de segurança foi avistado nos olhos de minha mãe,parecia que de alguma forma ela desejava aquilo.E a medida que aquilo ia preenchendo seu coração novamente,ela passava para mim.Então,eu enfim pude perceber que talvez a “nova” vida,não seria tão ruim quanto eu havia pensado.

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